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Publicado em: 16/05/2017
Pelo risco de retrocesso na atenção à Saúde Mental, Crefito-3 reúne entidades e movimentos sociais em Audiência Pública
Com o tema Reforma Psiquiátrica: nenhuma conquista a menos!, participantes rejeitaram proposta do CFM e da ABP que resgata cuidado centrado na internação
Na segunda-feira, 15 de maio, o Crefito-3, representantes de movimentos sociais e profissionais atuantes na área da saúde mental, se reuniram na Câmara Municipal de São Paulo para expor suas preocupações em relação aos riscos de retrocesso nas políticas públicas de saúde mental.
Com o tema Reforma Psiquiátrica: nenhuma conquista a menos!, a Audiência Pública convocada pelo Crefito-3 trouxe ao debate uma série de questionamentos sobre uma nota técnica assinada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a gestores de todos os níveis da Federação, criticando a atual política de saúde mental no Brasil e sugerindo um novo plano para a Saúde Mental, com ênfase no hospital psiquiátrico.
Com a divulgação desse documento, o Crefito-3 identificou a necessidade de urgência na organização e posicionamento dos grupos envolvidos na Luta Antimanicomial para a manutenção das conquistas trazidas desde a promulgação da Lei Federal 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica). “Apesar dos avanços obtidos desde 2001, ainda temos muitos desafios, tais como o desmonte e sucateamento da RAPS em vários municípios”, explica Drª Jamile Albiero, membro da Câmara Técnica de Saúde Mental do Crefito-3.
A cronificação da doença mental
A mesa diretora da Audiência, presidida inicialmente pelo vereador Mário Covas Neto e, em seguida, pelo vice-presidente do Crefito-3, Dr. Adriano Conrado Rodrigues, contou com a presença de Elizabeth Henna, militante na saúde mental há mais de uma década, representado o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. Ela destaca que, desde o início da substituição do modelo hospitalocêntrico e medicalizante da assistência à saúde mental, muito avanços foram obtidos, com muitos pacientes deixando as instituições asilares. Por essa razão, ela entende que o documento do CFMe da ABP estimula um retrocesso no que já foi alcançado. “Pacientes que tiveram uma experiência inicial nos manicômios evoluem de maneira menos positiva do que pacientes que já iniciaram a atenção à saúde nos CAPS [Centro de Atenção Psicossocial]. Tornaram-se crônicos. Não podemos permitir a criação de uma nova geração de cronificados, com o retrocesso à atenção centrada no hospital e na figura do médico”, alerta.
As instituições de ensino superior também foram convidadas a participar da Audiência. Drª Juliana Araújo, docente do curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina do ABC, destacou a importância do papel da academia no desenvolvimento de uma consciência crítica de seus futuros formandos. Destacou que a Lei da Reforma Psiquiátrica, ainda que tenha implantado um modelo reconhecido internacionalmente, sofre constantes ataques. “As instituições de ensino têm o potencial de construir práticas de atenção que respeitem a singularidade de cada ser, ajudando o aluno a lutar para encerrar modelos excludentes e hierárquicos do cuidar”.
De retrocessos velados ao desmonte explícito
“No momento político, social e econômico atual, em que o SUS está sendo colocado em xeque, a saúde mental acaba sendo colocada no mesmo barco”, define Drª Jamile Albiero. Afirma, ainda, que sem o SUS, não há Reforma Psiquiátrica.
Com experiência em gestão de um serviço de saúde mental no interior paulista por quatro anos, durante os quais uma série de conquistas foi obtida, ela relata observar hoje um verdadeiro desmonte do que foi construído. Segundo Drª Jamile, existem movimentações no cenário da saúde mental propondo, de forma velada, um retorno ao modelo anterior, centrado em internações. “Vemos CAPS funcionando como “mini-manicômios”, institucionalizando seus usuários. Perdendo uma das características desse serviço, que é o cuidado da crise”, alerta. “A rede de atenção cresceu em número desde 2001, mas em relação à qualidade, muita coisa precisa ser revista”.
Para a vice-presidente do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito), a terapeuta ocupacional Patrícia Luciane Santos de Lima, a relação da sociedade com a loucura é de exclusão e que, ao conhecer o teor do documento assinado pelo CFM e pela ABP, reuniu-se com Drª Maria de Lourdes Feriotti, terapeuta ocupacional e membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS), expressando a preocupação dos terapeutas ocupacionais para os riscos de tornar ainda mais aguda a questão da exclusão das pessoas em sofrimento mental, caso esse documento encontre eco junto às autoridades de saúde.
A Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde (CISM-CNS) elaborou uma moção de repúdio à nota técnica da ABP/CFM, que foi aprovada pelo CNS em sua Plenária de 11 e 12 de maio, assim como uma Recomendação ao Ministério da Saúde para revogar a PortariaSAS/MS nº 1.482 de 25/10/2016, que inclui as comunidades terapêuticas no rol do Cadastro Nacional dos Equipamentos de Saúde (CNES). “As comunidades terapêuticas não se consideram e não são consideradas serviços de saúde e não atendem aos critérios exigidos pela legislação vigente para se configurar como equipamento de saúde. Manter as comunidades terapêuticas incluídas no CNES é estar sob o risco de incorrer em ilegalidade”, alerta Drª Maria de Lourdes Feriotti.
Diante disso, canais de representação institucional como Coffito, Crefito 3, ABRATO se mobilizaram, dando origem a essa audiência em conjunto com CRP, IES, ATOESP e movimentos sociais.
Drª Lourdes, que representou a Associação Brasileira de Terapeutas Ocupacionais (Abrato) na Audiência Pública (como conselheira da CISM-CNS), acredita numa tentativa explícita de desmonte nas conquistas do Movimento da Luta Antimanicomial. Ela define o pano de fundo dessa movimentação como um embate entre a saúde pública e a saúde privada. “Existem disputas políticas robustas de embate contra a efetivação do SUS, desde os anos 80”, revela. “Existem questões técnicas, ideológicas e políticas. Mas, sobretudo, existe a questão econômica. A Reforma Psiquiátrica afrontou, desde o início, o lobby dos hospitais psiquiátricos, que ainda é um negócio muito lucrativo”.
Drª. Lourdes critica o posicionamento do CFM e da ABP como simplista, tendencioso e equivocado, uma vez que responsabiliza o atual modelo de Atenção Psicossocial pela calamidade em que se encontra a saúde mental, sem considerar os múltiplos fatores sociais, políticos e econômicos que vem gerando resistência à qualificação e à implantação completa dessa rede, como idealizada. Aponta o enfraquecimento das Políticas Públicas como fator determinante para a calamidade da saúde e da saúde mental no Brasil e ainda, “que a formulação da Política Nacional de Saúde Mental não pode ser resultado da posição de uma categoria profissional apenas, mas fruto de ampla discussão entre as diferentes categorias profissionais que constituem o corpo teórico-técnico em Saúde Mental, familiares e usuários dos serviços de saúde e assistência social, representantes da sociedade civil, movimentos sociais e, sobretudo, as Conferências Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde Mental.”
Críticas ao CFM e à ABP: “Erro na forma e no mérito”
Para o presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), Dr. Aristeu Bertelli da Silva, as conquistas da Lei da Reforma Psiquiátrica, que pareciam estar seguindo um caminho para a solidificação, se mostram cada vez mais frágeis, propensas ao desmonte. “Avançamos. Mas, num estalar de dedos, esses avanços começam a sumir".
Ele classifica que o documento produzido pelo CFM e a ABP erra, tanto na forma como no mérito. “Erram, porque se arrogam por ser sede e o fórum; luz e a guia, para definir o que é certo e errado na saúde mental”. Ele defende que, se ajustes nas propostas são necessários, que eles sejam construídos como fruto de um consenso entre todos os envolvidos na questão. “Mas não num consenso que se constrói de cima para baixo, mas um consenso que exige a horizontalidade”.
Momento difícil
Dr. José Renato de Oliveira Leite, presidente do Crefito-3, declarou que o Conselho não poderia ficar sem agir diante da situação de risco para os avanços conquistados na atenção à saúde mental. “Não podemos regredir e esquecer as conquistas”.
O presidente do Crefito-3 destaca que promover a desinstitucionalização ainda é quebrar paradigmas do cuidado com a saúde mental. “A violação de direitos humanos da pessoa em sofrimento mental, ainda justificada por muitos, vai na contramão do que a abordagem multiprofissional apregoa, que é a inclusão social”.